sexta-feira, 15 de maio de 2020
sexta-feira, 27 de outubro de 2017
Outro caminho
A cada dia olho e reparo com mais
cuidado nossa cultura. Vejo a educação
que as crianças recebem nas escolas, o
que passa nas televisões e mídias, o que está acontecendo na ruas ,no trânsito
, pelas calçadas. Outro dia fui no shopping comprar uma calça e vi lá também. E vejo as religiões várias. E nas
relações afetivas, na forma de se alimentar, de nascer, crescer e ficar mais
velho. Vejo no jeito que lidamos com
mundo das plantas, da água, dos bichos. Vejo, de maneira explícita, na
divisão sexual da vida social.
A cada dia se torna mais nítido e com
mais detalhes como nossa relações estão
saturadas de práticas e valores patriarcais.
Agora,
preciso declarar que eu tenho uma teima. Acho que tem outras coisas que também
acontecem ali, na vida vivida, sua muitas expressões. Outras formas que não
essas. Ás vezes estão totalmente invisíveis. As vezes estão sendo reprimidas
porque estão ganhando corpo. Em outros momentos estão nascendo, feito um
sementinha que acabou de brotar. Estão virando teoria, práticas coletivas,
formas de subjetivação. Tem também muitas formas e intensidades.
Sou
psicólogo e costumo dizer que há uma dupla consciência que nos atravessa. De um
lado, de maneira hegemônica – essa cultura dominadora, opressiva, exploradora.
Mas de outro, sempre uma tentativa, uma alternativa, um querer outro caminho. Como
diza José Carlos Mariátegui e uns índios conhecidos meus , temos duas almas que
estão o tempo todo presentes.
Tenho observado
isso nas relações de gênero. A tal da guerra dos sexos , hiper fragmentação
identitária, o povo se devorando e se cuspindo sem parar. O tal do ódio , esse afeto
que agora anda tão em voga, muito presente. Ódio explícito e
escancarado, mas também escamotado, com mil disfarces, confundido
misturado no meio de outros afetos.
Mas daí que preciso de novo declarar minha teima.
Acho que dá pra tentar um outro caminho que não seja exclusivamente da guerra,
da violência , da divisão. Cada dia olho
e reparo na nossa cultura e minha teima anda ganhando mais tamanho e forma. Dá pra
conhecer cada vez melhor como em cada lugar essa cultura do ódio se expressa e
nos enreda.
É possível
criar outro caminho.
quinta-feira, 21 de setembro de 2017
Julieta Paredes ou mano, segue as mina
Esses dias cruzei com um vídeo no you
tube de uma bruxa zica - assim me descreveram ela - a professora Rita Laura
Segato. Ela mexe com questões de violência, gênero e colonialidade. A muié é
bruxa zica memo. Nesse vídeo ela fala de dois projetos históricos que estão em
disputa hoje. O primeiro é o da colonialidade, o projeto histórico das coisas.
Projeto do acúmulo de coisas e da exploração do mundo. É o projeto que produz
indivíduos. O outro é o projeto da vida, do vínculo, da festa e do prazer. Projeto
histórico que produz comunidade.
Isso de sair caçando novos projetos alternativos ao capitalismo colonial
já é assunto que me instiga faz tempo. Com amigas, aqui e acolá sempre trocamos
novas impressões sobre isso, um novo matiz, um novo detalhe, outro nózinho que
se abre. Nesse mundo horroroso, onde a
cada dia surge uma nova cabeça da hidra capitalista, é um treta complexa pensar
no que seria um outro projeto societário para além do capital, ou, como diz o
Anibal Quijano, um novo sentido histórico. Algo que reúna esse monte de
opressões, de violências, de dominações e subverta essa parada toda.
Foi o próprio Quijano que um
dia me falou de algo bem parecido com
isso que a Rita Lauro defende. Me falou que, daqui pra frente, cada vez mais
veremos o mundo dividido entre um grupo fundamentalista em todos os níveis que se possa imaginar – e até onde nem imaginamos – bárbaro, falocêntrico,
assassino, desgracento de tudo. Miséria em todas as formas. Será a
personificação de “última geração” daquilo que o Dussel chama do paradigma do“eu
extermino” que move a dita civilização euro ocidental. Sempre que lembro desse
papo, me vem na cabeça um desses líderes religiosos fundamentalistas que ficam
babando ódio na televisão e arrastam multidões.
E na outra banda, segundo o Quijano, se fortalecera cada vez mais o que a
gente pode imaginar de mais diverso e miraculoso. Dos inúmeros pontos de vista.
Visível e invisível. Do imaginário, do trabalho
como libertação, do gênero como exercício dos afetos deslumbrantes, do prazer
para além do consumo. Do corpo, da terra, da imanência, das substâncias das
delícias das gosmas das formas todas e muitas. Dos mil pensamentos articulados
e invertebrados. Dos cósmicos inimagináveis. Do concreto.
.
.
Bom, tudo isso pra dizer que na semana que vem chega em São Paulo a
Julieta Paredes, líder do feminismo comunitário boliviano. Comunitário, latino-americano,
popular e intergaláctico
Intergaláctico.
A proposta do feminismo comunitário é uma articulação entre vários pontos
e propostas críticas. Feminismo crítico, pensamento social crítico,
descolonização critica. Uma proposta de
práxis e viver comunitário que leve em consideração a memória ancestral
das mulheres indígenas do continente. E de outras mulheres. Seu tempo, seu
corpo, sua vida. E mais um monte de outras coisas, entre elas, o viver em
comunidade com todos os seres, não só entre humanos. O trem é intergaláctico
como disse.
Intergaláctico.
Não quero ficar aqui tentando falar do feminismo comunitário. Não tenho
condições pra isso. Mas só queria escrever esse pouquinho aqui pra poder dizer
que nessas inquietações de tentar achar um caminho crítico menos zuado pelo
eurocentrismo tenho encontrado um monte de práticas, idéias e conhecimentos
firmeza total. E que aos poucos vão amarrando o que seria esse projeto histórico do vinculo,
da vida e do prazer comunitário para além do capital. E nisso, o feminismo comunitário é algo que
me deixou muito muito impressionado. Água fresca em tempos muito áridos, água
de estrelas. É lindo, potente, guerreira. Saravá Julieta Paredes. Quem puder colar pra
conhecer. Axé total.
Mano, segue as mina.
Salve as bruxa zica, os bicho, a terra, as lua, as criança as força.
Salve as planta.
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
Utopia deliciosa
Esses dias lendo um
texto ai pra um curso que tô dando me deparei com um tema desses que eu sempre
penso “preciso conhecer melhor isso” e acabo sempre deixando pra lá. Houve
um período na Europa onde rolou um periodo sinistro de perseguição às mulheres
e que é muito desconhecido, invizibilizado mesmo. Ficou conhecido como Caça
às Bruxas. Segundo esse texto, entre os séc. XV e XVII foram assassinadas
cerca de oito milhões de mulheres acusadas de bruxaria. A grande maioria eram
mulheres de origem rural. Um horror absoluto e que é muito desconhecido
de todo mundo.
Mas o que me mais
chamou atenção nesse texto foi a idéia de que o principal objetivo da Caça
às Bruxas era exterminar um universo de conhecimento
muito presente na Europa naquele momento e que se confrontava diretamente como
a instituição da Igreja. Conjunto de conhecimentos éticos, técnicos
filosóficos que precisavam ser exterminados para que a Igreja sedimentasse seu
poder por todo o território europeu. Daí eles serem demonizados como bruxarias
, coisa dos diabo e essas besteirada toda.
Então, sabe esse
universo de duendes, fadas, unicórnios, princesas, coisas desses
filmes ai que tão cheio de bruxas, elfos, druidas e tal? Arvores velhas que
falam, mil serezinhos pra todos cantos, fadas monstros e atmosfera mágica como
ordem normal da vida? Então, esses são exemplos do mundo lendário e
mítico baseado na vida de múltiplo povos que habitavam a Europa. E o mais interessante é que as mulheres cumpriam
um papel central nesse universo todo, já que o culto à fertilidade e à natureza
– seus ciclos - eram os pilares dessas sociedades e eram as mulheres aquelas
responsáveis porisso. As mulheres e o feminino carregavam enorme prestígio no
universo “pagão” da Antiga Europa.
Agora vamo lá,
sendo muito simplista (eu sei), maniqueísta (eu sei) e muitíssimo genérico (to
ligado). Era mais ou menos isso que tava rolando na época da Caça às bruxas: De um lado tínhamos uma
sociedade dominante e em expansão querendo dominar e detonar as outras que
estavam por ali. Uma sociedade em expansão cujo seus principais valores estavam
baseados em uma cosmologia que tinha um Deus único – no céu mandando em tudo e
todos para além das coisas -, patriarcal e onde os homens gozavam de todos
privilégios, máximos privilégios. Do outro uma sociedade orientada pelo culto à
fertilidade e à terra, plena de deuses, semi-deusas e seres de todas as
naturezas. Nesse, as mina tinha um papel central nas decisões políticas, na
religião e na vida cotidiana. Não eram subjugadas, pelo contrário,
ocupavam os lugares de decisão sobre a vida de todos. E, muito importante, nessa sociedade
não tinha escrita. Quem mantinha os segredos e saberes eram as sacerdotisas, as
mulheres, detentoras do conhecimento sobre
a vida.
O Anibal Quijano, um
sociólogo peruano me disse uma vez que a sociedade do séc XXI vai ficar cada
dia mais dividida entre os ultra-conservadores facistas fanáticos horrorosos
abjetos (sempre lembro do Malafaia nessas horas) e algo parecido com um desses meme que rola por ai chamado o Jardim
das Delicias, um mundo altamente heterogêneo em todas suas possibilidades,
onde prazer, magia, natureza viva serão as forças principais.
Apesar de vozes e
forças muitas em mim ficarem me levando para o contrário - sim tenho meu Malafaia interior, é triste, mas é verdade - , eu tô afim
do mundo Jardim das Delícias. Lembrei das frutas agora,
muitas frutas de todo tamanho e texturas. E de insetos, cada um mais diferente
que o outro. Da mata, dos efeitos visionários, e dos desenho das crianças. Eu
quero o mundo dos desenhos das crianças. Eis um bom imperativo categórico – babalativo
cacaorético seria mais adequado né - para uma utopia deliciosa. E ouvir as plantas,
quero um mundo que a gente ouça as plantas.
Fruta, criança
fertilidade, feminino, planta, prazer,
Mundo quase oposto do
que estamos vendo tomar o poder. Não por acaso são quase todos homens e
patriarcas que hoje estão ai.
Já escolhi. Eu quero
o mundo da utopia deliciosa. Desse babalativo cacaorético eu não abro mão.
PS: Jardim das Dlícias seculo XXI - http://image.slidesharecdn.com/hieronymusbosch-090529075910-phpapp01/95/hieronymus-bosch-9-728.jpg?cb=1243601986
PS: Jardim das Dlícias seculo XXI - http://image.slidesharecdn.com/hieronymusbosch-090529075910-phpapp01/95/hieronymus-bosch-9-728.jpg?cb=1243601986
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
Dança
Nisso de ir atrás de entender os
nossos machismos e como isso nos habita, aqui acolá tropeço em alguma coisa que
tem a ver com o zen. Acho o zen foda demais. E também o taoísmo. Que coisa mais
sublime que são essas filosofias. Até difícil encontrar palavra. Num tem né, a
caça da palavra se desfaz num círculo. E até o circulo uma hora termina. Não
tem palavra que dá conta. Foda demais.
Mas daí acho que elas dizem um tanto de coisa boa pra isso de pensar como
funciona o machismo em nós.
Em muitas práticas orientais, o mundo
é visto como interação entre polos de energia, o mundo se desenha com esses pólos
se seguindo, se orientando, co-existindo. Essa é uma visão muito iniciante de
quem conhece pouco. Coisa de ocidental que te mania de ler. Mas, feito esse
desconto, me atrevo. Olha só essa história.
...
Musachi foi um grande samurai e
guerreiro de espada que viveu no Japão do séc XVI. Musachi era extremente agressivo
e atormentado. Desde menino ele se perguntava muito sobre o fato de ser
samurai. Muitas vezes não via sentido naquilo, nos duelos, na espada. Havia saído
de casa muito cedo, após um desentendimento com seu pai. Ao que li caçando aí
pelas net da vida, o pai do Musachi- também um grade samurai – foi violento com
ele.
Nesse dia Musachi saiu de casa. E
encontrou um mestre.
Esse mestre de Musachi servia de
conselheiro e acalmador. Musachi não entendia seu destino de lutador de espada, se
perguntava o porque não ser outra coisas. Tinha muita angústia. E muita
agressividade descontrolada. Nessas horas, o mestre costumava acalmá-lo até o
momento do combate. Sempre venceu. Mas sempre, depois de um tempo, Musachi voltava ao seu lugar de tormenta.
Uma hora dessas, bem quando Musachi ia
enfrentar o maior dos samurais da época,
o mestre cessou os conselhos. Não havia mais o que dizer a Musachi. Só que
dessa vez o cara tava cachorro loco total, babando ódio, totalmente fora da
casinha, querendo matar Deus e o mundo, muito transtornado. Nunca tinha ficado
tão angustiado, tão se perguntando qual o sentido daquilo tudo e tão dentro de
um treta daquela tamanho. Parece que o opositor era um samurai pesado mesmo. Musachi
tava muito fora mesmo. Dando o loco memo. A coisa tinha chegado no limite.
Daí o mestre pegou um varinha dessas de
galho e riscou um circulo no chão e deu duas espadas para Musachi. Coisas do zen. O circulo e duas espads. Um enigma, um poema, um desafio. Diz
que Musachi gritou, chorou, reclamou, riu,
desistiu, se moveu, descansou, gritou, gritou se exauriu.
Estava com as duas espadas.
Musachi se moveu. Em algum momento,
entendeu. Musachi saiu do círculo.
Nesse momento, Musachi havia criado o
estilo de luta usando duas espadas. Mudou a arte da espada de toda história do
Japão.
Musachi fez um gesto de reverência ao
mestre. E venceu o desafio contra o grande
samurai. Foi sua última luta.
Quem viu Musachi se movendo afirma:
era a própria dança do universo.
Musachi se tornou mestre de outros guerreiros
de espada. E mestre de pintura.
Havia também muita destreza na
caligrafia de Musachi. Ao escrever, era também a dança do universo. Dança
expressa entre o preto e o branco.
...
Quem me contou essa história foi um
amigo que criou um exercício corporal baseado nessa história. O nome do
exercício é uma mão faz outra acompanha
Acho que não tenho a capacidade de
escrever essa história. Mas sei que quando ouvi lembrei muito do tema do
machismo. Talvez precise escrever ela muitas vezes para passar o que acho que
entendi. Com isso de machismo é assim né. Você vai e volta e vai. E muitas
vezes volta para o mesmo lugar. Tipo um círculo memo.
Daí que talvez o mais importante seja
dançar. As mãos, as cores, as espadas. Uma dança onde uma polaridade vai. E a
outra acompanha. E depois há uma volta.
Outro amigo meu me disse esses dias
que o patriarcado é como uma espada apontada o tempo todo sobre nossas cabeças.
Talvez o mais importante seja dançar.
Tipo um círculo memo.
sexta-feira, 11 de agosto de 2017
Ternura radical
Um dos temas que mais gosto de ganhar
tempo matutando até o sem fim é a América Latina. Pensamento, arte, afeto,
terra, poesia, lirismo, movimento, suas mil formas de resistência, enfim os muitos
concavos e convexos (e tudos ai no meio disso) de Nuestra América. E dessas
matutações uma das coisas que tenho percebido cada dia mais é como aconvivência
de extremos em um mesmo espaço, corpo, símbolo é um aspecto que atravessa nossa história.
Povos extremamente diferentes, línguas, costumes, geografias e humanidades
muito distintas. Tudo isso forjado por uma extrema violência colonial. E por
mil formas de resistência e alternativas a essas dominações todas. Asi és.
Experiências muito distintas e radicais convivendo, se penetrando, sendo o
mesmo. É nóis na Pachamama.
Daí um outro tema que atravessa essa minha pensação é o patriarcado próprio daqui né.
Entronque patriarcal como chama a amiga boliviana Julieta Paredes , ativista do
feminismo comunitário. Heteropatriarcado
como vi Angela Davis dizer outro dia. Um patriarcado de múltiplas origens
(africano, indígena, euroocidental, árabe) que nojentamente se articula por
aqui em lógicas e ações específicas.
Tudo isso pra dizer que vi um vídeo
outro dia que me impressionou muito. Chama-se ternura radical contra el sistema patriarcal. Quem postou foi uma
feminista Argentina, Dani, que tava oferecendo uma oficina com esse nome.
Segundo ela explica no vídeo, desenvolveu essa idéia de ternura radical a
partir da necessidade de criar formas de trabalhar a violência radical do
patriarcado no continente.
Segundo ela, é preciso pensar espaços
distintos para distintos objetivos. A luta política no espaço público, o ato de
tomar as ruas e de participar de espaços deliberativos pede contorno e práticas
diferentes dos espaços onde vai se cuidar do estilhaçamento subjetivo, corporal
e afetivo do patriarcado na vida das pessoas. Há níveis da experiência que
precisam de formas de cuidado específicas. Experiências que necessitam de uma
ternura radical. Muito lindo.
Outra coisa muchísimo interessante (com
aciento argentino) que ela afirma é como o ideário fala-escuta - que nós psicólogos
prezamos tanto (estamos presos?)- é
insuficiente pra trabalhar essas vivências, para cuidar da “caixa de pandora “
que se abre quando se toca em determinadas experiências. Nesse sentido, aponta
Dani, é preciso trabalhar a dimensão do corpo e da política pela arte, pelo
teatro e formas que transcendam o “nomear” da violência vivida. Dai a proposta
do cuidado entre corpos e da ternura radical como caminho. Tô impressionado
pela simplicidade e força dela falando. Direto ao ponto, com força e leveza. Lindo, potente.
No que pude ver, a maioria das pessoas da oficina são
mulheres. Mas vi ali uns três homens. Um deles estava inclusive no centro,
fazendo uma das vivências. Gritava muito. Impactante. Só de ver já imaginei e só
de imaginar já fiquei meio assim. É visivelmente intenso. Os varones antipatriarcales de Córdoba que conheci tem um pouco
essa pegada também;
Para tocar nas questões mais
delicadas do patriarcado heterogêneo en
Nuestra America, é preciso não perder a ternura. Mas, se ela anda meio
perdida, ou adormecemos ela em algum canto, é preciso trazê-la de volta. Pelo
corpo, pela política, pelas viagens aos recônditos escondidos e também pela
palavra. A palavra é mais um dos elementos. Hay otros e a Dani explica isso
muito bem também. O videozinho é porreta viu. Muchísimo potente.
Isso em quatro minutos no you tube.
Imagina fazendo. Que baguio loco. Fiquei na sede aqui. É nóis na Pachamama,
suas força, suas raízes, sua ternura.
Sua radical ternura.
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
O tempo e o cão
Esses dias estava ouvindo uma monja
budista contar uma estória sobre um cachorro que ela teve. Essa monja gosta
muito de cachorro, sempre tem uns cachorro com ela.
.
Daí ela contou que uma vez arrumou um
cachorro muito muito raivoso, que só latia e atacava todo mundo sem parar.
Diante disso ela deixou uma sala da casa só pra ele ficar lá vociferando e
babando até cansar. Só que ele recomeçava assim que tinha o mínimo de energia.
Segundo ela, ele era assim desde pequenininho. Também passeavam com ele, mas
era muito difícil.
.
Em um dos meus escritos aí pra trás
falo do doberman interior. Sempre me remeto a essa imagem porque sinto ela
muito forte nesse lance do machismo. O cachorro da porta dos infernos algúem me
falou uma vez. E o cachorro preto de um filme do Kubrick de terror, algo que
remetia a isso de inferno também se não me engano. Lembro também do medo que eu
sentia quando era menino de passar numa rua perto de casa, a “rua dos cachorros”.
E as histórias de crianças que foram pegas por cachorros quando entraram em
algum sítio ou chácara. Muitas lembranças que remetem a isso né, as imagens não
cessam. Se eu deixar elas ficam vindo na mente e correndo que nem filminho até
sei lá quando.
.
Sinto a voz patriarcal como esse
cachorro louco. Por um lado tem ele, um ímpeto de agressividade tresloucada,
esse ódio babento. De outro, a imagem de uma criança assustada, incapaz de
fazer outra coisa além de ficar apavorada. Acho que essa díade é muito presente
no modelo patriarcal de ser homem. Está muito presente em nós. O cachorro
odioso e o menino assustado.
.
Então lembro de novo da história da
monja. Diz ela que ia todo dia lá e buscava ficar o mais próximo que podia
desse cachorro. Contou inclusive da energia que ficava na sala, como era algo
que mesmo de olhos fechados qualquer um era capaz de sentir a agitação daquele
espaço, tão tomado de raiva que ele tava. Passou um bom tempo indo lá com seus
discípulos diariamente para observar a agressividade e ir se aproximando aos
poucos. Íamos lá dançar com ele e com a sala, acho que disse em algum momento.
Até que um dia o cachorro ficou quieto. Depois de muito tempo o cachorro ficou
quieto. Não sei se manso, mas quieto. Nesse dia, conta a monja, ela juntou as
mãos e agradeceu, se sentou de frente a uma parede da sala e praticou zazen.
.
Daí acabou.
.
Essas estória da monja viu. essas
estórias do zen. Pra variar, não sei se entendi alguma coisa, mas sei que me
lembrou muito essa parada do patriarcado.
.
Ela não fala o tempo que levou todo
esse negócio ai. Mas tenho pra mim que a coisa demorou uns bons anos viu.
Parece que o tal do cachorro era mesmo muito bravo.
.
Obs: não sou praticante nem contrário
a nenhuma religião que fala de inferno. E não tenho nada contra cachorro.
Cresci num mundo cheio dessas imagens católicas, numa cultura assim. E cresci
numa vila cheia de cachorro de tudo que e jeito. São imagens guardadas ai nas
minhas memórias de paulistano brasileiro, só isso.
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