sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Ternura radical

Um dos temas que mais gosto de ganhar tempo matutando até o sem fim é a América Latina. Pensamento, arte, afeto, terra, poesia, lirismo, movimento, suas mil formas de resistência, enfim os muitos concavos e convexos (e tudos ai no meio disso) de Nuestra América. E dessas matutações uma das coisas que tenho percebido cada dia mais é como aconvivência de extremos em um mesmo espaço, corpo, símbolo é  um aspecto que atravessa nossa história. Povos extremamente diferentes, línguas, costumes, geografias e humanidades muito distintas. Tudo isso forjado por uma extrema violência colonial. E por mil formas de resistência e alternativas a essas dominações todas. Asi és. Experiências muito distintas e radicais convivendo, se penetrando, sendo o mesmo. É nóis na Pachamama.
Daí um outro tema que atravessa essa  minha pensação é o patriarcado próprio daqui né. Entronque patriarcal como chama a amiga boliviana Julieta Paredes , ativista do feminismo  comunitário. Heteropatriarcado como vi Angela Davis dizer outro dia. Um patriarcado de múltiplas origens (africano, indígena, euroocidental, árabe) que nojentamente se articula por aqui em lógicas e ações específicas.
Tudo isso pra dizer que vi um vídeo outro dia que me impressionou muito. Chama-se ternura radical contra el sistema patriarcal. Quem postou foi uma feminista Argentina, Dani, que tava oferecendo uma oficina com esse nome. Segundo ela explica no vídeo, desenvolveu essa idéia de ternura radical a partir da necessidade de criar formas de trabalhar a violência radical do patriarcado no continente.
Segundo ela, é preciso pensar espaços distintos para distintos objetivos. A luta política no espaço público, o ato de tomar as ruas e de participar de espaços deliberativos pede contorno e práticas diferentes dos espaços onde vai se cuidar do estilhaçamento subjetivo, corporal e afetivo do patriarcado na vida das pessoas. Há níveis da experiência que precisam de formas de cuidado específicas. Experiências que necessitam de uma ternura radical. Muito lindo.
Outra coisa muchísimo interessante (com aciento argentino) que ela afirma é como o ideário fala-escuta - que nós psicólogos prezamos tanto (estamos presos?)-  é insuficiente pra trabalhar essas vivências, para cuidar da “caixa de pandora “ que se abre quando se toca em determinadas experiências. Nesse sentido, aponta Dani, é preciso trabalhar a dimensão do corpo e da política pela arte, pelo teatro e formas que transcendam o “nomear” da violência vivida. Dai a proposta do cuidado entre corpos e da ternura radical como caminho. Tô impressionado pela simplicidade e força dela falando. Direto ao ponto, com força e  leveza. Lindo, potente.
No que pude ver,  a maioria das pessoas da oficina são mulheres. Mas vi ali uns três homens. Um deles estava inclusive no centro, fazendo uma das vivências. Gritava muito. Impactante. Só de ver já imaginei e só de imaginar já fiquei meio assim. É visivelmente intenso. Os varones antipatriarcales de Córdoba que conheci tem um pouco essa pegada também;
Para tocar nas questões mais delicadas do patriarcado heterogêneo en Nuestra America, é preciso não perder a ternura. Mas, se ela anda meio perdida, ou adormecemos ela em algum canto, é preciso trazê-la de volta. Pelo corpo, pela política, pelas viagens aos recônditos escondidos e também pela palavra. A palavra é mais um dos elementos. Hay otros e a Dani explica isso muito bem também. O videozinho é porreta viu.  Muchísimo potente.
Isso em quatro minutos no you tube. Imagina fazendo. Que baguio loco. Fiquei na sede aqui. É nóis na Pachamama, suas força,  suas raízes, sua ternura. Sua radical  ternura.


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