Julieta Paredes ou mano, segue as mina
Esses dias cruzei com um vídeo no you
tube de uma bruxa zica - assim me descreveram ela - a professora Rita Laura
Segato. Ela mexe com questões de violência, gênero e colonialidade. A muié é
bruxa zica memo. Nesse vídeo ela fala de dois projetos históricos que estão em
disputa hoje. O primeiro é o da colonialidade, o projeto histórico das coisas.
Projeto do acúmulo de coisas e da exploração do mundo. É o projeto que produz
indivíduos. O outro é o projeto da vida, do vínculo, da festa e do prazer. Projeto
histórico que produz comunidade.
Isso de sair caçando novos projetos alternativos ao capitalismo colonial
já é assunto que me instiga faz tempo. Com amigas, aqui e acolá sempre trocamos
novas impressões sobre isso, um novo matiz, um novo detalhe, outro nózinho que
se abre. Nesse mundo horroroso, onde a
cada dia surge uma nova cabeça da hidra capitalista, é um treta complexa pensar
no que seria um outro projeto societário para além do capital, ou, como diz o
Anibal Quijano, um novo sentido histórico. Algo que reúna esse monte de
opressões, de violências, de dominações e subverta essa parada toda.
Foi o próprio Quijano que um
dia me falou de algo bem parecido com
isso que a Rita Lauro defende. Me falou que, daqui pra frente, cada vez mais
veremos o mundo dividido entre um grupo fundamentalista em todos os níveis que se possa imaginar – e até onde nem imaginamos – bárbaro, falocêntrico,
assassino, desgracento de tudo. Miséria em todas as formas. Será a
personificação de “última geração” daquilo que o Dussel chama do paradigma do“eu
extermino” que move a dita civilização euro ocidental. Sempre que lembro desse
papo, me vem na cabeça um desses líderes religiosos fundamentalistas que ficam
babando ódio na televisão e arrastam multidões.
E na outra banda, segundo o Quijano, se fortalecera cada vez mais o que a
gente pode imaginar de mais diverso e miraculoso. Dos inúmeros pontos de vista.
Visível e invisível. Do imaginário, do trabalho
como libertação, do gênero como exercício dos afetos deslumbrantes, do prazer
para além do consumo. Do corpo, da terra, da imanência, das substâncias das
delícias das gosmas das formas todas e muitas. Dos mil pensamentos articulados
e invertebrados. Dos cósmicos inimagináveis. Do concreto.
.
.
Bom, tudo isso pra dizer que na semana que vem chega em São Paulo a
Julieta Paredes, líder do feminismo comunitário boliviano. Comunitário, latino-americano,
popular e intergaláctico
Intergaláctico.
A proposta do feminismo comunitário é uma articulação entre vários pontos
e propostas críticas. Feminismo crítico, pensamento social crítico,
descolonização critica. Uma proposta de
práxis e viver comunitário que leve em consideração a memória ancestral
das mulheres indígenas do continente. E de outras mulheres. Seu tempo, seu
corpo, sua vida. E mais um monte de outras coisas, entre elas, o viver em
comunidade com todos os seres, não só entre humanos. O trem é intergaláctico
como disse.
Intergaláctico.
Não quero ficar aqui tentando falar do feminismo comunitário. Não tenho
condições pra isso. Mas só queria escrever esse pouquinho aqui pra poder dizer
que nessas inquietações de tentar achar um caminho crítico menos zuado pelo
eurocentrismo tenho encontrado um monte de práticas, idéias e conhecimentos
firmeza total. E que aos poucos vão amarrando o que seria esse projeto histórico do vinculo,
da vida e do prazer comunitário para além do capital. E nisso, o feminismo comunitário é algo que
me deixou muito muito impressionado. Água fresca em tempos muito áridos, água
de estrelas. É lindo, potente, guerreira. Saravá Julieta Paredes. Quem puder colar pra
conhecer. Axé total.
Mano, segue as mina.
Salve as bruxa zica, os bicho, a terra, as lua, as criança as força.
Salve as planta.