Meu
primeiro assédio, uma confissão. Ou quase.
Além disso, esse espaço
narrativo também deve servir – principalmente
–para os homens explicitarem sua própria empáfia e sentimento de superioridade.
Admitirem e deixarem visível o seu prazer
pela dominação, seu prazer pelo conforto do privilégio. O prazer de ser aquele
que manda, o prazer de ser aquele que é obedecido e vê o outro se submeter.
Como é sentir isso parceiro, conta aí. Tem coragem?
Uma das coisas que tem estado muito
presente esses dias no universo da internet
é o tal #primeiroassédio. Parece que tem
uma moça de doze anos em um programa de TV aí que anda sendo comentada e
assediada como se fosse uma mulher adulta. Por conta desse acontecimento, uma
organização resolveu lançar essa campanha que consiste em contar na internet como
foi o seu primeiro assédio sofrido. Mais de setenta mil mulheres mandaram seus
relatos e a coisa ganhou grande repercussão.
Daí
que uma amiga compartilhou o relato de uma cara chamado João, que resolveu
escrever sobre seu primeiro assédio. Só que com uma diferença. Ele relatou o
assédio em que ele era o assediador. Contou como foi assediar uma amiga sua no
meio da rua quando ele tinha catorze anos. E de como se sentiu e o que pensa
sobre isso agora, duas décadas depois. Eu
gostei muito do escrito dele.
Já pensou se nós homens resolvêssemos admitir
e discutir como temos reproduzido e sido – por vezes sem ter a menor
consciência disso – veículos desse projeto civilizatório estruturado na
violência de gênero? E se setenta mil homens resolvessem contar como fizeram e
como se sentiram ao cometer um assédio sexual, um abuso ou um estupro. Dá pra
imaginar uma coisa dessas? Eu juro que eu não consigo nem imaginar. Juntamente
daquelas que sofreram, íamos ter acesso ao sem número de histórias de quem faz sofrer e se omite sobre isso.
Eu
aqui comigo mesmo fico pensando que um acontecimento assim mereceria uma dessas
metáforas mirabolantes do Italo Calvino,
ou então um desses escritos do Saramago que consegue dizer das coisas miúdas e
magnânimas em uma mesma imagem definitiva. Algo como uma tempestade sem fim só
que ao contrário, ou um reino que todos resolveram passar um ano todo andando
para trás, sei lá. Como não tenho a menos capacidade pra isso, me permito apenas
começar a imaginar. E, na dimensão pessoal, puxar de leve o fio dessas memórias
e andar um poquinho pra trás em mim mesmo. Nas minhas próprias memórias
escondidas.
Daí
que fui atrás do meu primeiro assédio. Até esse instante que estou escrevendo
não tinha lembrado do que podia ser isso. Depois de um tempo aqui lembrei. Escrever é uma
coisa tão boa né... os trem aparece na cabeça... Daí lembrei de algo que me
senti inclinado a fazer uma vez há um tempão atrás. Violência de classe, de gênero.
Devia ter doze, treze anos talvez. Mas não tenho coragem de contar o que foi
não. Talvez por ser algo menos “leve” do confessado pelo João. Como ele mesmo
diz no seu escrito, dá muita vergonha. Vergonha da própria covardia. O machismo
é, entre tantas coisas, muito covarde. E não é simples desaprender isso. Desaprender
de ser covarde. Eu preciso de ajuda pra isso.
Mas é preciso puxar esse fio de memórias né,
desenrolar esses torvelinhos e criar essas narrativas, criar espaço para os homens
falarem disso. E, ao se sentirem envergonhados, retomarem o próprio medo e as inseguranças
que se embaraçam nessas histórias de violência. Se olharem o escrito do João,
está ali, motivando o assédio que ele cometeu, o medo de ser “meio viadinho”
que ele sempre sofreu. De outros homens, muito provavelmente. Não é raro isso
acontecer. Aliás, essa é a regra. E uma ação violenta gera outra ação violenta e
assim vai. Onde começa e termina essa sinistra cadeia?
Além
disso, esse espaço narrativo também deveria servir – principalmente –para os homens explicitarem sua
própria empáfia e sentimento de superioridade. Admitirem e deixarem visível o
seu prazer pela dominação, seu prazer
pelo conforto do privilégio. O prazer de ser aquele que manda, o prazer de ser aquele
que é obedecido e vê o outro se submeter. Como é sentir isso parceiro, conta
aí. Tem coragem?
Culpa,
prazer, medo, superioridade, privilégio, humilhação. É tanta coisa misturada
nesses coisas invisibilizadas. Com o machismo entre nós homens não é diferente.
È mesmo um prazer isso que se sente? Que tipo de prazer é esse? È mesmo um
sofrimento, uma dor que motiva essas coisas? De que tipo? Se sentir superior é
mesmo tão bom assim? E é mais o quê além disso? Que que rola nas interna dessa
história? Escarafunchar as entranhas do pátrio poder. É disso que se trata. Já
pensou, setenta mil homens desenrolando sobre isso pra todo mundo ler?
Tempestade sem fim ao contrário, o bucho dos macho tudo aberto e revirado.
Não
consegui falar do assédio que me lembrei. Senti vergonha. Depois me senti
covarde de não fazer. Em algum momento ai me senti o máximo, a fina flor da
macharia arrependida. A essa altura, no finzinho do texto, releio e acho tudo
que escrevi um lixo sem tamanho. Devia apagar tudo e deixar essas besteiras de
lado. È assim mesmo, um monte de sentimento, imagem, lembranças ao mesmo tempo.
Tudo meio confuso e embolado. Coisa monossílaba querendo deixar de ser. E que,
devagar, vai deixando.
È
capaz do João estar sentindo essas coisas. E outros homens que eu vi que também escreveram sobre o primeiro assédio.
Aos poucos vamos aparecendo acho. Talvez até não sejamos tão poucos né, vai
saber. Como disse um amigo pra mim hoje, esse é um assunto que não pode mais esperar.
E
eu concordo plenamente com ele.
Seguimos.
ps: olha o texto do João:
https://www.facebook.com/jreisfaria/posts/10203540686076853?fref=nf
https://www.facebook.com/jreisfaria/posts/10203540686076853?fref=nf