Umas florzinha
E o que aconteceu daí foi supreendente. Acho que foi a primeira vez que as respostas que obtive sobre machismo não me ajudaram. Ao serem consultadas, as mulheres com quem mais falo disso e sempre me estonteiam com suas observações dessa vez me deixaram meio na mesma. Não encontrei uma resposta delas. E daí, fiquei matutano sobre isso, do porque dessa vez as respostas da mulheres não me ajudaram.
As
purpurinas mais insistentes ainda se mantem
mesmo após uma semana. Um monte de coisa acontece no carnaval né, muitas
rodando em torno das brincadeiras amorosas e eróticas que a santa bagaceira maravilhosa
produz nas relações. Mas uma hora acaba né, e a gente volta, o ano efetivamente
começa e a vida se retoma. Cheia dos balacobaco ocorridos e que nos farão
companhia pelo do resto ano, mas a vida
se retoma. No mundo dos ciclos e dessas engenharias misteriosas aí que o
carnaval participa é assim que o trem
funciona.
Daí,
que nessas idas e vindas do carnaval e suas inquietações uma amiga tava me dizendo que as feministas estão
chamando de Primavera Feminista essa série de eventos que eclodiram ai em 2015.
Aproveitei então essa semaninha de rearrumações para o cotidiano e fiquei
revendo comigo como essa chuva de flores
me chegou lá em 2015 e ficou me rondando até o finzinho do carnaval, onde flores
também não faltaram. E nessas, lembrei de um
#meuamigosecreto que uma amiga
escreveu e que me deixou com uma dessas pergunta que não larga mais a gente: O que nós homens devemos fazer
quando vemos outros caras fazendo umas coisa dessas que as mina nos apontam como
escrotice machista? E quando é a gente mesmo? Qual deve ser nosso proceder?
A
frase escrita pela minha amiga foi : Quando eu descobri tudo isso e coloquei a
boca no trombone, meu amigo secreto me chamou de “mulherzinha”, achando que
isso era ofensa. Todos os amigos dele sabem o quanto ele é perverso com as
mulheres e conhecem todas as suas histórias mas continuam respeitando ele
porque afinal, ele só tem problemas com “mulheres”.
Olha,
foi foda viu. Tô meio azuretado com essa história até agora e sei que não vai passar
tão cedo. E o motivo é simples: essa forma de agir que ela descreve serviu
direitinho pra mim. Quantas e quantas vezes não vi ou fui o provocador de situações
explícitas de machismo - da piadinha “descontraída” à agressão explícita - e me
evadi com alguma máxima inconteste tipo “Isso
é problema deles” ou “Sei lá né, cada um cada um, essas treta ai é com eles” e outras frases prontas do
universo masculino. Mesmo com meus parcos recurso afetivos pra lidar com
situações como essas, diante desse relato senti o cheiro de minha própria
covardia machista Daí, como em outra vezes, na ausência de homens pra falar
sobre isso, fui procurar algumas amigas. Fui pedir ajuda. O que que eu faço, me ajuda a pensar? Me ajuda a entender isso que eu
to sentindo...
E
o que aconteceu daí foi supreendente. Acho que foi a primeira vez que as
respostas que obtive sobre machismo não
me ajudaram. Ao serem consultadas, as mulheres com quem mais falo disso e
sempre me estonteiam com suas observações dessa vez me deixaram meio na mesma.
Não encontrei uma resposta delas. E daí fiquei matutano sobre isso, do porque dessa
vez as respostas da mulheres não me
ajudaram.
Me
parece que essa história rolou porque esse tipo de problema é algo que diz
respeito à relação dos homens com os homens, universo relativamente desconhecido
das mulheres. É um problema sobre como nós homens afetamos e somos afetados por
outros de nós homens a partir de
práticas instituídas especificamente para nós homens. È claro que as mulheres
devem contribuir e todo o acúmulo que já foi produzido por elas é absolutamente
essencial. Que não paire nenhuma dúvida sobre isso. Sem elas puxando, acho
impossível alguma coisa acontecer. Mas esse é um debate onde a participação dos
homens é incontornável. Não tem como avançar e construir respostas sem a nossa participação. Pelo simples fato que é
um debate sobre como nós homens nos sentimos. E isso, só nós podemos dizer. E
como simplesmente nos recusamos a debater nosso machismo não se produz reflexão
nem prática sobre isso. Simples assim.
A
relação dos homens entre os homens, como formamos nossa masculinidade, quais suas
regras, qual a violência imposta nesse
processo, quais esses privilégios que não abrimos mão, quais vozes estão sempre
presentes na nossa cabeça, porque dessa obsessiva idéia de posse, como compreender essa tristeza que nos acompanha,
essa covardia, essa mesquinharia e essa pobreza de recursos afetivos para lidar
com a vida. Enfim,qual é e como funciona esse sofisticado massacre psico-físico-afetivo a que somos impostos
pelo patriarcado desde que nascemos. O escrito da minha amiga me ajudou a constatar
com mais nitidez como esses processos todos moram no reino do invisível, do
não-dito, não-conversado e, talvez o pior, do tido como não-existente. É uma
doidera, porque a parada é um mercúrio radioativo pulsando em cada célula da
nossa vida, em cada cantinho delas todas – é um presença tóxica, maldita - mas a gente não dá pra isso nem o estatuto de
coisa que existe. Santa ignorância Batman...
Como
diz aí um desses ditado aí: o pior segredo daquele que não presta é convencer a
gente de que ele não existe.
Daí
que, compreendendo essa continuada invisibilidade e até inexistência construída
para questões como essa, não fica tão difícil entender porque, ao se deparar
com uma tosquice dessas escrota como
essa do cara do relato – e sabemos que ela
tá longe de ser um caso isolado - a
gente não consiga pensar numa atitude que confronte isso. Pensar em uma
estratégia. E o mesmo acontece quando temos que nos confrontar com nossas
próprias atitudes escrotas. Porque da mesma forma que não sabemos lidar com a
escrotidão no outro, não sabemos lidar
com a nossa própria. E nossos próprios afetos, desejos e um tanto de
outras coisas que se constituíram atravessadas pelo patriarcado. Sinceramente, hoje
tenho convicção de que até meu jeito de respirar é totalmente atravessado pelo patriarcado.
E, nós homens não temos repertório, memória construída, práticas de conduta,
consensos nem acordos entre nós de como lidar criticamente com isso. De como
desconstruir isso. Não temos praticamente nada.
Será que tô exagerando? Acho que deve ter coisas por aí e eu que não
consigo ver né. Mas sei lá, sinceramente, às vezes sinto que não temos nada mesmo.
E
assim vai terminando mais um texto meu sobre esse tema. Com uma pergunta bem
formulada no começo e constatando no fim a ausência de recursos mínimos pra
respondê-la. Já tá quase virando estilo de escrita. Perguntar, não responder e
comentar isso no fim do texto.
Mas,
outro dia conheci uns caras que estão, coletivamente, produzindo algumas respostas. São um grupo de
homens argentinos, os Varones Floreciendo.
Lá eles fazem vivências regulares onde os homens se reúnem para discutir o patriarcado
e pensar e realizar estratégias de enfrentamento. De um dia, de um fim de
semana, na sua própria cidade e em outras. São vários grupos em todo país. Já
tem encontros anuais que acontecem, fazem publicações e saem em diversos atos e
manifestações por lá.
Ou seja, é possível repensar a própria
masculinidade e é possível os homens se ajudarem nisso. Só que tem que querer
futucar o monstrão. E é aí que tá. Ninho de marimbondo ninguém quer mexer né. É
preciso construir a coragem de desconstruir o patriarcado. Só que o trem é feio
e não dá nenhuma vontade de mexer nisso. Revelar pra gente e pro mundo nosso como opera nosso mais íntimo “amigo secreto” não
é muito fácil mesmo.
O
carnaval esse ano já foi e por horas as flores devem diminuir. Só que a primavera
vai continuar. E, ao que tudo indica, com rajadas e trovões daqui pra diante. Diante
do que nos espera, nós homens devíamos plantar
pelo menos umas florzinha pra ver como é. Aproveitar que a terra tá fértil e
vai chover forte encima da nossa cabeça. No meio dessa primavera toda, tentar
participar plantando pelo menos umas
florzinha. Talvez faça alguma diferença.
Pelo
menos umas florzinha.
ps:
publicação dos Varones floreciendo: http://www.eltransformador.org.ar/blog/index.php/generos/292-la-revista-de-los-varones-floreciendo-para-compartir
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