sábado, 20 de fevereiro de 2016

                                            Umas florzinha

E o que aconteceu daí foi supreendente. Acho que foi a primeira vez que as respostas que obtive sobre  machismo não me ajudaram. Ao serem consultadas, as mulheres com quem mais falo disso e sempre me estonteiam com suas observações dessa vez me deixaram meio na mesma. Não encontrei  uma resposta delas.  E daí, fiquei matutano sobre isso, do porque dessa vez as respostas  da mulheres não me ajudaram.

As purpurinas mais insistentes ainda se mantem  mesmo após uma semana. Um monte de coisa acontece no carnaval né, muitas rodando em torno das brincadeiras amorosas e eróticas que a santa bagaceira maravilhosa produz nas relações. Mas uma hora acaba né, e a gente volta, o ano efetivamente começa e a vida se retoma. Cheia dos balacobaco ocorridos e que nos farão companhia pelo do  resto ano, mas a vida se retoma. No mundo dos ciclos e dessas engenharias misteriosas aí que o carnaval participa é  assim que o trem funciona.
Daí, que nessas idas e vindas do carnaval e suas inquietações uma amiga  tava me dizendo que as feministas estão chamando de Primavera Feminista essa série de eventos que eclodiram ai em 2015. Aproveitei então essa semaninha de rearrumações para o cotidiano e fiquei revendo  comigo como essa chuva de flores me chegou lá em 2015 e ficou me rondando até o finzinho do carnaval, onde flores também não faltaram. E nessas, lembrei de um  #meuamigosecreto que uma amiga escreveu e que me deixou com uma dessas pergunta que não larga  mais a gente: O que nós homens devemos fazer quando vemos outros caras fazendo umas coisa dessas que as mina nos apontam como escrotice machista? E quando é a gente mesmo? Qual deve ser nosso proceder?
A frase escrita  pela minha amiga foi : Quando eu descobri tudo isso e coloquei a boca no trombone, meu amigo secreto me chamou de “mulherzinha”, achando que isso era ofensa. Todos os amigos dele sabem o quanto ele é perverso com as mulheres e conhecem todas as suas histórias mas continuam respeitando ele porque afinal, ele só tem problemas com “mulheres”.
Olha, foi foda viu. Tô meio azuretado com essa história até agora e sei que não vai passar tão cedo. E o motivo é simples: essa forma de agir que ela descreve serviu direitinho pra mim. Quantas e quantas vezes não vi ou fui o provocador de situações explícitas de machismo - da piadinha “descontraída” à agressão explícita - e me evadi com alguma máxima inconteste  tipo “Isso é problema deles” ou “Sei lá né, cada um cada um, essas treta ai  é com eles” e outras frases prontas do universo masculino. Mesmo com meus parcos recurso afetivos pra lidar com situações como essas, diante desse relato senti o cheiro de minha própria covardia machista Daí, como em outra vezes, na ausência de homens pra falar sobre isso, fui procurar algumas amigas. Fui pedir ajuda. O que que eu faço, me ajuda a pensar? Me ajuda a entender isso que eu to sentindo...
E o que aconteceu daí foi supreendente. Acho que foi a primeira vez que as respostas que obtive sobre  machismo não me ajudaram. Ao serem consultadas, as mulheres com quem mais falo disso e sempre me estonteiam com suas observações dessa vez me deixaram meio na mesma. Não encontrei  uma resposta delas.  E daí fiquei matutano sobre isso, do porque dessa vez as respostas  da mulheres não me ajudaram.
Me parece que essa história rolou porque esse tipo de problema é algo que diz respeito à relação dos homens com os homens, universo relativamente desconhecido das mulheres. É um problema sobre como nós homens afetamos e somos afetados por outros de nós homens a partir  de práticas instituídas especificamente para nós homens. È claro que as mulheres devem contribuir e todo o acúmulo que já foi produzido por elas é absolutamente essencial. Que não paire nenhuma dúvida sobre isso. Sem elas puxando, acho impossível alguma coisa acontecer. Mas esse é um debate onde a participação dos homens é incontornável. Não tem como avançar e construir respostas sem  a nossa participação. Pelo simples fato que é um debate sobre como nós homens nos sentimos. E isso, só nós podemos dizer. E como simplesmente nos recusamos a debater nosso machismo não se produz reflexão nem prática sobre isso. Simples assim.
A relação dos homens entre os homens, como formamos nossa masculinidade, quais suas regras,  qual a violência imposta nesse processo, quais esses privilégios que não abrimos mão, quais vozes estão sempre presentes na nossa cabeça, porque dessa obsessiva idéia de posse, como  compreender essa tristeza que nos acompanha, essa covardia, essa mesquinharia e essa pobreza de recursos afetivos para lidar com a vida. Enfim,qual é e como funciona esse sofisticado  massacre psico-físico-afetivo a que somos impostos pelo patriarcado desde que nascemos. O escrito da minha amiga me ajudou a constatar com mais nitidez como esses processos todos moram no reino do invisível, do não-dito, não-conversado e, talvez o pior, do tido como não-existente. É uma doidera, porque a parada é um mercúrio radioativo pulsando em cada célula da nossa vida, em cada cantinho delas todas – é um presença tóxica, maldita  -   mas a gente não dá pra isso nem o estatuto de coisa que existe. Santa ignorância Batman...
Como diz aí um desses ditado aí: o pior segredo daquele que não presta é convencer a gente de que ele não existe.
Daí que, compreendendo essa continuada invisibilidade e até inexistência construída para questões como essa, não fica tão difícil entender porque, ao se deparar com uma tosquice dessas  escrota como essa do cara do relato  – e sabemos que ela  tá longe de ser um caso isolado - a gente não consiga pensar numa atitude que confronte isso. Pensar em uma estratégia. E o mesmo acontece quando temos que nos confrontar com nossas próprias atitudes escrotas. Porque da mesma forma que não sabemos lidar com a escrotidão no outro, não sabemos lidar  com a nossa própria. E nossos próprios afetos, desejos e um tanto de outras coisas que se constituíram atravessadas pelo patriarcado. Sinceramente, hoje tenho convicção de que até meu jeito de respirar é totalmente atravessado pelo patriarcado. E, nós homens não temos repertório, memória construída, práticas de conduta, consensos nem acordos entre nós de como lidar criticamente com isso. De como desconstruir isso. Não temos praticamente nada.  Será que tô exagerando? Acho que deve ter coisas por aí e eu que não consigo ver né. Mas sei lá, sinceramente, às vezes  sinto que não temos nada mesmo.
E assim vai terminando mais um texto meu sobre esse tema. Com uma pergunta bem formulada no começo e constatando no fim a ausência de recursos mínimos pra respondê-la. Já tá quase virando estilo de escrita. Perguntar, não responder e comentar isso no fim do texto.
Mas, outro dia conheci uns caras que estão, coletivamente,  produzindo algumas respostas. São um grupo de homens argentinos, os Varones Floreciendo. Lá eles fazem vivências regulares onde os homens se reúnem para discutir o patriarcado e pensar e realizar estratégias de enfrentamento. De um dia, de um fim de semana, na sua própria cidade e em outras. São vários grupos em todo país. Já tem encontros anuais que acontecem, fazem publicações e saem em diversos atos e manifestações por lá.
 Ou seja, é possível repensar a própria masculinidade e é possível os homens se ajudarem nisso. Só que tem que querer futucar o monstrão. E é aí que tá. Ninho de marimbondo ninguém quer mexer né. É preciso construir a coragem de desconstruir o patriarcado. Só que o trem é feio e não dá nenhuma vontade de mexer nisso. Revelar pra gente e pro mundo nosso  como opera nosso mais íntimo “amigo secreto” não é muito fácil mesmo.
O carnaval esse ano já foi e por horas as flores devem diminuir. Só que a primavera vai continuar. E, ao que tudo indica, com rajadas e trovões daqui pra diante. Diante do que nos espera, nós homens  devíamos plantar pelo menos umas florzinha pra ver como é. Aproveitar que a terra tá fértil e vai chover forte encima da nossa cabeça. No meio dessa primavera toda, tentar participar plantando pelo menos  umas florzinha. Talvez faça alguma diferença.
Pelo menos umas florzinha.



.