sexta-feira, 28 de julho de 2017

Rolimã
Ontem estava andando no meio da tarde por uma rua  meio movimentada quando um cara desses carro chique esportivo passou numa velocidade  altíssima que deixou todo mundo ali assustado e dizendo com os olhos que cara babaca.
Não vi o motorista. Mas acho, tendo quase certeza, que era “o” motorista. Essa cena tem se repetido direto nesses tempos aqui em São Paulo. Infelizmente, é meio óbvio que isso aconteça. O povo que gosta de fazer essas babaquice está se sentindo mais habilitado pra isso. Afinal estamos numa cidade que o prefeito vive fazendo piruetas ridículas (e letais) por aí, elogiando a velocidade, o carro potente e a aceleração. Outro dia inaugurou a praça Airton Senna. Que coisa tosca.  
Dai que lembrei que ações que a figura abjeta do atual prefeito encampa são didáticas pra entender o que é a cultura machista. Quando eu era menino, no bairro e na escola que eu estudei (e sei que sou um exemplo mais que comum) a cultura da velocidade era algo totalmente impregnado. O menino mais rico da escola (ridiculo né, mas tinha isso) já tinha um carro com 16 anos e adorava passar correndo pra lá e pra cá pela ruas ali. No bairro igualzinho, lembro das motos passando correndo, lembro que antes das motos eram as mobiletes e lembro até mesmo de me sentir poderoso no meu carrinho de rolimã. E lembro que fiquei sabendo de um grande feito de um menino do bairro do lado: era tão bom nisso de carro que teria sido aceito para dirigir os carros da Rota, aqueles camburão do grupo mais assassino da polícia de São Paulo. E na faculdade eu chamava um dos meus grandes amigos de Senninha vrum vrum. O cara adorava competir com seu carro com as outras pessoas no trânsito, ficava todo ouriçado com essa competição cotidiana nas ruas. Ficava lá fazendo vrum vrum pra todo mundo.
 O patriarcado é um sistema de relação que está no nosso dia a dia ensinando valores e condutas pra todo mundo. O carro, a máquina da velocidade desde criança, a habilidade para ser polícia, o cotidiano do vrum vrum. É assim: os meninos que se destacam nessa lógica vão sendo tratado como vencedores e passam a ser admirados e vistos como exemplo a ser seguido. E assim vai se criando uma hierarquia do ser “mais” ou “menos” homem. E quanto mais pra cima nessa hierarquia mais vc olha os que estão embaixo como inferiores. Se precisar, humilha, machuca, zoa eles pra ensinar e estabelece como as coisas devem funcionar. Triste né, muito triste.
O patriarcado tá longe de só estabelecer seus domínios nesses exemplos evidentes. O culto ao carro é de uma obviedade escancarada né. Mas olha, quer ver uma sutileza dessa parada da velocidade, a Maria Rita Kehl tem um livro chamado O tempo e o cão onde essa história vai ganhando desdobramentos bem diferentes dessa obviedade grotesca do nosso prefeito Walter Mercado, o terror plastificado. Vou dar uma olhada pra relembrar e escrevo logo mais. E também sobre o mito do herói... É assunto que não acaba . Mas vamo devagar né, sem pressa. Pra lembra de uma coisa que já disseram bonita disso. “a lua anda devagar mas atravessa o mundo em uma noite”. Acho que é um provérbio de Angola parece.  Vontade de ir la na praça Airton Senna e pichar isso.
O Dória é muito tosco.


quarta-feira, 26 de julho de 2017

La sanación
Das muitas relações e formas de expressão do patriarcado, uma bastante conhecida é o privilégio da mente sobre o corporalidade, do pensamento abstrato sobre a matéria viva, do cérebro sobre  o corpo todo e por aí vai.
Ontem encontrei uma notícia sobre a red de sanadoras ancestrales indígenas da Guatemala, grupo de mulheres que tem um trabalho muito firmeza. Uma das sanadoras explicava que começaram a se organizar como rede depois que um grupo de mulheres indígenas foi até uma montanha que estava ocupada pelo exército. Foram para cuidar de outras mulheres que estavam lá, impossibilitadas de sair. Ao se encontrarem e realizarem práticas de cuidado e cura com base em suas cosmovisões e naquilo que ensinaram suas avós. Desse encontro surge  um grupo. A notícia correu e outro grupo quis se juntar  e outro e outro. Formaram a rede. São mulheres que, a partir dos conhecimentos de seus povos, realizam um trabalho de sanación no corpo- território das mulheres e de la Madre Tierra, um dos nomes que dão à Terrra.
Corpo-território é um termo que elas usam. E relacionam a violência patriarcal-machista-racista sobre seus corpos com a violência contra a natureza, violência contra o corpo da Terra. Reestabelecem contatos com “la Madre Tierra” para se sanar, sanar a natureza e sanar politicamente a vida comum tão atingida pelo racismo e pelo patriarcado.
Bom, isso tudo pra dizer que acho que muito mais gente pode aprender e se beneficiar das práticas e concepções dessas mulheres indígenas. Que o que elas estão fazendo e expressando indica pistas valiosíssimas de possíveis caminhos para lidar com esse labirinto de horrores de nosssa civilização que cada dia parece mais cheio de becos.  E dentro desse “muita gente”, os homens poderiam prestar bem atenção nisso. Acho que nós também precisamos reestabelecer um vinculo com o próprio corpo, com o corpo-natureza, corpo Mãe-Terra. Com os ritmos, os volumes, os fluxos. Estabelecer vínculos afetivos, políticos, corporais que desmontem, aos poucos, os processos endurecidos do patriarcado nas nossas vidas.  
A rede de sanadoras ancestrais da Guatemala também se autodenominam como praticantes do feminismo comunitário.
Salve as planta.
Entrevista com la red de sanadoras de indígenas.

 https://www.youtube.com/watch?v=TZlsGfoe328


terça-feira, 25 de julho de 2017



Seu Miaggi
Andei dando uma relida nos meus textos pra lembrar as coisas que andei escrevendo sobre esse tema do patriarcado. E uma das imagens que aqui acolá aparece é a presença de uma voz dentro da cabeça que vai orientando a gente a seguir o ditames da cultura machista.
Tem texto que chamo ela de doberman raivoso, tem texto que falo que é só um silêncio analfabeto, ou um grilo falante que fica na “cacunda dos afetos” (essa foi boa né), tagarelando o tempo todo as ordens que vem direto da central. Mas o que reparei e que falo muito pouco ou quase nada é do que pode ser uma voz alternativa a isso. Ou seja, uma voz que consiga nos guiar por outro caminho.
                Confesso que em mim essa voz não é ouvida com facilidade. Muitas vezes ela é só a mudez analfabeta. Outras, é uma voz fininha e distante, voz amedrontada diante de um doberman raivoso. Em alguns momentos consegue ser uma voz mais presente, com alguma possibilidade de ser ouvida e até entendida. E, muito raro (em algum papo desses por aí chamei essas horas de momento samurai), a voz consegue ser suficientemente focada e certeira a ponto do doberman e o grilo se verem em maus lençóis. Mas esse momento ainda é raro. E, sinceramente, não tenho muita segurança que vá deixar de ser assim durante um bom tempo.
O que acho que dá é pra prestar atenção e ir pegando uma manha de sacar essa voz operando. Porque me sinto tão colado nela que frequentemente saio simplesmente fazendo o que ela manda sem nem me tocar. Simplesmente repito.  O que eu acho é que, se der pra pegar essa manha de reconhecê-la, dá pra abrir outras possibilidades diferentes de obedecê-la automaticamente e nem se tocar  disso. Talvez até quem sabe (já dentro do espectro samurai karate Kid de ser)perceber que ela é só uma voz entre outras. Mais uma voz. Mas isso não é fácil de fazer não. Na verdade é bem difícil. Eu acho.

ps: esse papo de voz me lembrou um escrito do Mario Quintana sobre o Mr Wong. Muito bom. È o tal samurai que falei ai no texto provavelmente. http://dharmalog.com/2002/12/02/o-estranho-caso-de-mr-wong-by-quintana/

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Até com as formiguinhas

Patriarcado é muito diferente de machismo e de violência sexista. O machismo é uma expressão – talvez a mais evidente e estúpida – do patriarcado.
Tem uns quinze dias ai que essa diferença veio bater na minha porta . Já tinha encontrado com elas em livros e papos por aí mas essa semana bateu à porta da vida inteira. Também não foi a primeira vez que ela aparece assim, mas enfim. Vou registrar  dessa vez , às vezes ajuda a sentir melhor.
O patriarcado é um padrão de poder que se estabelece nas relações mais variadas: com as crianças, com os objetos, com o espaço, com a política, com a comida, com o corpo, com as formiguinhas, com homens mulheres e com a vida em todos seus pedacinhos. Até com o cabo da salsinha que eu não vou usar pra cozinhar inclusive (aconteceu essa semana).
Aprendi a ser como sou e me relacionar com o mundo em todas suas dimensões. Aquilo que me faz machista está presente na minha relação com a hora deu acordar e coçar os olhos e  levar o travesseiro s de um ligar pro outro (também aconteceu esses dias) Uma das expressões dessa cultura  que eu fui imerso e aprendi a reproduzir (e reiventá-la, desenvolvê-la) é o que se entende comumente por machismo. É talvez a expressão mais  estúpida, é evidente e violenta, muitas vezes letalmente violenta. Uma coisa abominável. Mas é uma das expressões. Não é a única. O patriarcado é muito mais amplo.
Até dá pra chamar toda essa cultura de infinitas dimensões e expressões de cultura machista né. Acho até um bom nome de repente. Chamar o patriarcado de cultura machista. Ás  vezes pode ser uma boa. Só que é isso, tem que lembrar que é um machismo que se extende pra todos os seres, entes, galáxias. Nesse sentido  sou machista  com os travesseiros,  com as salsinhas e com as formigas. Até com as estrelas.

Que fase...

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Xixi junto

Esses dias trombei meu irmão e comentei com ele que tava pensando em voltar a fazer os textos do blog mas que tava meio difícil, que  gostava mas tinha parado, era algo bom de fazer mas que sei lá porque tinha parado de fazer ...  essas coisas. Daí ele falou :” é cara , é que cada texto daquele seu era uma coisa(faz um silêncio e um sinal com a mão indo pra baixo) . É difícil mesmo”
Esse lance de ficar pensando no patriarcado merece um volume especial só pra relação entre irmãos. Irmão mais velho, irmão caçula, irmão que se ama, que se protege, que se odeia, que compete.  Que isso e aquilo com mãe, pai ,irmã, vizinha, papagaio, rolimã, zapzap. Relação de irmãos. Coisa enfrunhada pelo patriarcado desde a raiz.

Olha, sei que meu irmão é um dos homens que mais conviveu comigo em tempo e densidade. Tem uma foto nossa perto de uma arvore de natal que eu tenho meio metro em pé e ele nem em pé ficava ainda. E agora nossas barbas já começam a ficar até com uma partes mais brancas. E patriarcado à parte com suas mixarias, tamos aí. É nóis na fita. E ele me falou e fez esse sinal com a mão.  Daí que acho bom voltar com esses textos. Quem lê gosta, eu que escrevo gosto também.  E vamos ver o que passa com isso dessa densidade que meu irmão comentou. Vamo mais de boa. Talvez assim a coisa saia de novo. Mais de boa na lagoa. Tipo dois irmãos fazendo xixi junto junto antes de ir dormir e segurando o riso até quase não aguentar. Porque o mundo entre homens também tem suas singelezas. E, algumas delas, duram até a barba ficar branca.