Rolimã
Ontem estava andando no meio da tarde
por uma rua meio movimentada quando um
cara desses carro chique esportivo passou numa velocidade altíssima que deixou todo mundo ali assustado
e dizendo com os olhos que cara babaca.
Não vi o motorista. Mas acho, tendo
quase certeza, que era “o” motorista.
Essa cena tem se repetido direto nesses tempos aqui em São Paulo. Infelizmente,
é meio óbvio que isso aconteça. O povo que gosta de fazer essas babaquice está
se sentindo mais habilitado pra isso. Afinal estamos numa cidade que o prefeito
vive fazendo piruetas ridículas (e letais) por aí, elogiando a velocidade, o
carro potente e a aceleração. Outro dia inaugurou a praça Airton Senna. Que coisa
tosca.
Dai que lembrei que ações que a figura
abjeta do atual prefeito encampa são didáticas pra entender o que é a cultura
machista. Quando eu era menino, no bairro e na escola que eu estudei (e sei que
sou um exemplo mais que comum) a cultura da velocidade era algo totalmente
impregnado. O menino mais rico da escola (ridiculo né, mas tinha isso) já tinha
um carro com 16 anos e adorava passar correndo pra lá e pra cá pela ruas ali.
No bairro igualzinho, lembro das motos passando correndo, lembro que antes das
motos eram as mobiletes e lembro até mesmo de me sentir poderoso no meu
carrinho de rolimã. E lembro que fiquei sabendo de um grande feito de um menino
do bairro do lado: era tão bom nisso de carro que teria sido aceito para
dirigir os carros da Rota, aqueles camburão do grupo mais assassino da polícia
de São Paulo. E na faculdade eu chamava um dos meus grandes amigos de Senninha
vrum vrum. O cara adorava competir com seu carro com as outras pessoas no
trânsito, ficava todo ouriçado com essa competição cotidiana nas ruas. Ficava
lá fazendo vrum vrum pra todo mundo.
O patriarcado é um sistema de relação que está
no nosso dia a dia ensinando valores e condutas pra todo mundo. O carro, a
máquina da velocidade desde criança, a habilidade para ser polícia, o cotidiano
do vrum vrum. É assim: os meninos que se destacam nessa lógica vão sendo
tratado como vencedores e passam a ser admirados e vistos como exemplo a ser
seguido. E assim vai se criando uma hierarquia do ser “mais” ou “menos” homem. E
quanto mais pra cima nessa hierarquia mais vc olha os que estão embaixo como
inferiores. Se precisar, humilha, machuca, zoa eles pra ensinar e estabelece
como as coisas devem funcionar. Triste né, muito triste.
O patriarcado tá longe de só
estabelecer seus domínios nesses exemplos evidentes. O culto ao carro é de uma
obviedade escancarada né. Mas olha, quer ver uma sutileza dessa parada da
velocidade, a Maria Rita Kehl tem um livro chamado O tempo e o cão onde essa história vai ganhando desdobramentos bem
diferentes dessa obviedade grotesca do nosso prefeito Walter Mercado, o terror
plastificado. Vou dar uma olhada pra relembrar e escrevo logo mais. E também
sobre o mito do herói... É assunto que não acaba . Mas vamo devagar né, sem
pressa. Pra lembra de uma coisa que já disseram bonita disso. “a lua anda
devagar mas atravessa o mundo em uma noite”. Acho que é um provérbio de Angola
parece. Vontade de ir la na praça Airton
Senna e pichar isso.
O Dória é muito tosco.