segunda-feira, 7 de agosto de 2017



O tempo e o cão

Esses dias estava ouvindo uma monja budista contar uma estória sobre um cachorro que ela teve. Essa monja gosta muito de cachorro, sempre tem uns cachorro com ela.
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Daí ela contou que uma vez arrumou um cachorro muito muito raivoso, que só latia e atacava todo mundo sem parar. Diante disso ela deixou uma sala da casa só pra ele ficar lá vociferando e babando até cansar. Só que ele recomeçava assim que tinha o mínimo de energia. Segundo ela, ele era assim desde pequenininho. Também passeavam com ele, mas era muito difícil.
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Em um dos meus escritos aí pra trás falo do doberman interior. Sempre me remeto a essa imagem porque sinto ela muito forte nesse lance do machismo. O cachorro da porta dos infernos algúem me falou uma vez. E o cachorro preto de um filme do Kubrick de terror, algo que remetia a isso de inferno também se não me engano. Lembro também do medo que eu sentia quando era menino de passar numa rua perto de casa, a “rua dos cachorros”. E as histórias de crianças que foram pegas por cachorros quando entraram em algum sítio ou chácara. Muitas lembranças que remetem a isso né, as imagens não cessam. Se eu deixar elas ficam vindo na mente e correndo que nem filminho até sei lá quando.
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Sinto a voz patriarcal como esse cachorro louco. Por um lado tem ele, um ímpeto de agressividade tresloucada, esse ódio babento. De outro, a imagem de uma criança assustada, incapaz de fazer outra coisa além de ficar apavorada. Acho que essa díade é muito presente no modelo patriarcal de ser homem. Está muito presente em nós. O cachorro odioso e o menino assustado.
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Então lembro de novo da história da monja. Diz ela que ia todo dia lá e buscava ficar o mais próximo que podia desse cachorro. Contou inclusive da energia que ficava na sala, como era algo que mesmo de olhos fechados qualquer um era capaz de sentir a agitação daquele espaço, tão tomado de raiva que ele tava. Passou um bom tempo indo lá com seus discípulos diariamente para observar a agressividade e ir se aproximando aos poucos. Íamos lá dançar com ele e com a sala, acho que disse em algum momento. Até que um dia o cachorro ficou quieto. Depois de muito tempo o cachorro ficou quieto. Não sei se manso, mas quieto. Nesse dia, conta a monja, ela juntou as mãos e agradeceu, se sentou de frente a uma parede da sala e praticou zazen.
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Daí acabou.
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Essas estória da monja viu. essas estórias do zen. Pra variar, não sei se entendi alguma coisa, mas sei que me lembrou muito essa parada do patriarcado.
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Ela não fala o tempo que levou todo esse negócio ai. Mas tenho pra mim que a coisa demorou uns bons anos viu. Parece que o tal do cachorro era mesmo muito bravo.
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Obs: não sou praticante nem contrário a nenhuma religião que fala de inferno. E não tenho nada contra cachorro. Cresci num mundo cheio dessas imagens católicas, numa cultura assim. E cresci numa vila cheia de cachorro de tudo que e jeito. São imagens guardadas ai nas minhas memórias de paulistano brasileiro, só isso.

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